Novo IR eleva endividamento, diz estudo

14 setembro 2021


A reforma do IR pode aumentar ainda mais a complexidade do sistema tributário nacional, acarretar perda de arrecadação pelo governo e aumento do fenômeno da pejotização – em que profissionais liberais atuam como pessoas jurídicas para pagar menos impostos – e levar ao maior endividamento das empresas, alertam os economistas José Roberto Afonso, Geraldo Bisoto Junior e Murilo Ferreira Viana.

O diagnóstico dos especialistas, que está em um estudo publicado pela revista Conjuntura Econômica, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é de que governo e Congresso tentam aprovar a reforma como se estivessem dirigindo um carro pelo retrovisor, olhando para a realidade do século passado, que não cabe mais num mundo de rápida transformação digital, que se acentuou com a pandemia.

No estudo Não é Hora para Mais Incertezas, ainda mais Tributárias, o trio de economistas diz que o Brasil aposta alto demais em respostas simplistas e fáceis para resolver questões complexas. No caso da reforma tributária do IR, avaliam, esse caminho é ainda mais perverso.

A reforma aprovada pela Câmara – e que espera análise pelo Senado – modifica o IR cobrado sobre pessoas físicas, empresas e também investimentos. De uma maneira geral, o texto reduz as alíquotas tanto para pessoas físicas (IRPF) quanto para empresas (IRPJ). O texto prevê ainda a cobrança de uma taxa sobre a distribuição de lucros e dividendos (isentos no Brasil há 25 anos). Além disso, estipula o fim do chamado Juro sobre Capital Próprio (JCP), uma forma muito comum de as empresas remunerarem seus sócios e pagarem menos impostos.

Para os autores, um dos problemas é que a pandemia produziu uma aceleração da mudança da economia, com o uso de novas tecnologias digitais, com novas implicações para o sistema tributário, incluindo os vínculos de trabalho cada vez mais “fluidos”. Discussões que passam ao largo das propostas que estão em tramitação no Congresso.

Além da reforma do IR, a Câmara discute um projeto que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), enquanto o Senado trata de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para Estados e municípios. “A pandemia produziu uma aceleração da mudança da economia, com o uso das novas tecnologias digitais, e as profundas respostas proativas de Estados e blocos supranacionais. Enquanto o mundo assiste a políticas de Estado reformando estruturas e organizando

o novo normal, o Brasil parece estacionado no velho mundo, buscando soluções fáceis para problemas extremamente complexos”, diz o texto.

Equívocos. Entre os que seriam os maiores equívocos do projeto do IR, o estudo cita o fim do JCP, que pode trazer “impactos negativos e não negligenciáveis” para o investimento produtivo e dificultar a retomada da economia no cenário póspandemia. Mecanismo criado após o Plano Real, com o fim da correção monetária sobre os balanços, o JCP é uma forma que as grandes empresas usam para remunerar seus acionistas, e essa despesa pode ser deduzida do imposto a pagar. Dessa forma, o pagamento de JCP estimula o uso de capital próprio das empresas, ao rebaixar o custo do uso de recursos do acionista em projetos de investimento.

No estudo, os economistas destacam que esse dispositivo é particularmente relevante numa economia como a brasileira, marcada por forte restrição ao acesso ao mercado de crédito, seja pelo custo proibitivo para muitas operações, que asfixiaria a margem de lucro dos negócios, seja pela falta de financiamento para determinados segmentos e portes empresariais.

O estudo projeta que haverá incentivo ao endividamento. Isso porque as empresas podem usar novas operações para reduzir a base de cálculo do IR a pagar, já que as despesas com pagamento de juros de financiamentos passam a ser dedutíveis do imposto a ser pago. “Propõe-se uma reforma tributária para empurrar as empresas brasileiras ao endividamento, mesmo sem precisarem”, avaliam os autores.

A nova realidade, diz José Roberto Afonso, não foi contemplada no texto, pois ignora a importância do setor de serviços. “Achar que as mercadorias poderão sustentar nossa receita tributária será o caminho direto para grandes rombos fiscais”, diz.

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo

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